saúde mental

Um tópico recorrente

junho 18, 2020

Muito que bem, mais um texto nascendo e eu, novamente, resolvi reclamar. Dessa vez vou reclamar da depressão, velha amiga de infância que vez ou outra bate na porta, mas na maioria das vezes vai entrando sem muita cerimônia e, quando me dou conta, tá ela sentadinha no sofá fazendo sala pra si mesma. Genética ruim é isso aí mesmo, e aprendi desde muito cedo que todas as crises pelas quais vi minha mãe, tias e avó passarem, um dia seriam parte da minha rotina também. 'Não precisa ser uma sentença', dizia minha conselheira na escola. Precisar não precisa, mas em dias como o de hoje, ser uma pessoa neuroatípica certamente tem o mesmo peso.

A grande questão é que a depressão raramente chega sozinha, pelo menos nas minhas experiências. Muito recentemente, depois de anos e anos tentando fazer profissionais da saúde entenderem que o que chamamos de tensão pré-menstrual não chegava nem perto de descrever meu estado físico e mental durante meu ciclo, finalmente veio o diagnóstico de exacerbação pré-menstrual. Alguns anos atrás, durante uma fase relativamente estável da minha vida em que nenhum episódio depressivo se manifestou por meses, cheguei a considerar que pudesse sofrer de transtorno disfórico pré-menstrual.

Na época, pouquíssimos estudos sobre o assunto estavam disponíveis online, e aparentemente TDPM só virou diagnóstico aceito e incluído no DSM na sua quinta versão, publicada em 2013. A diferença entre TDPM e exacerbação menstrual é que, enquanto os sintomas do TDPM ocorrem antes ou em conjunção com o início do ciclo menstrual e são aliviados ou desaparecem completamente na semana seguinte, os sintomas da exacerbação pré-menstrual não somem, e são intensificados no período pré-menstrual.

Isso porque a exacerbação não é considerada um transtorno por si só como o TDPM, mas sim a intensificação e agravamento de sintomas tanto da tensão pré-menstrual comum como de outras condições e transtornos mentais pré-existentes em pacientes, como ansiedade, distúrbios alimentares, depressão e esquizofrenia. Se você sofre de depressão e lida com sintomas como irritabilidade, agressividade, impulsividade, tristeza profunda e pensamentos suicidas no seu dia-a-dia ou durante um episódio depressivo, multiplica tudo isso aí por 1000 na semana que precede o começo da menstruação e pronto, exacerbação pré-menstrual at its finest.

Por causa da natureza complicada e recente das descobertas em relação a TDPM/exacerbação pré-menstrual, e dada a similaridade dos sintomas e o fato de ambos serem transtornos de humor e temperamento, existe um histórico muito grande de pacientes mulheres serem erroneamente diagnosticadas com transtorno bipolar, quando na verdade sofrem de TDPM. Não bastasse o diagnóstico errôneo, o tratamento diferencia muito do transtorno bipolar pro TDPM, o que muitas vezes acaba piorando os sintomas do transtorno disfórico pré-menstrual e expondo pacientes a tratamentos e medicamentos com efeitos colaterais significantes.

Pra deixar tudo um pouco mais complicado, o tratamento difere também entre exacerbação pré-menstrual e TDPM, e o que costuma funcionar pra pacientes com transtorno disfórico raramente trata de forma efetiva os transtornos pré-existentes quando se trata da exacerbação. Ou seja, é tudo muito ruim e muito complicado e o corpo humano é isso aí mesmo.

Tudo isso pra reclamar que a menos que minha saúde mental esteja num patamar equilibradíssimo por meados da primeira semana do meu ciclo menstrual, as chances do mundo ao meu redor desmoronar e de tudo ficar infinitamente mais difícil e debilitante são altíssimas. Nos últimos doze meses, se tive dois ou três ciclos normais com sintomas leves foi muito. E aceitar esse tipo de diagnóstico e suas ramificações, como o desgaste em relações afetivas por conta da severidade dos sintomas nesse período é um processo árduo, que me custa uma hora de terapia semanalmente e uma rotina rígida nos dias que precedem a menstruação.

Se já existia a carga de ter que sempre estar atenta aos sintomas da crise depressiva que tem sido parte da minha vida pelos últimos dez meses, agora existe também a ansiedade que precede a pior semana de todos os meus meses. Por não poder utilizar contracepção hormonal e me manter meio que alheia ao início da menstruação (olá, depressão), acompanho meu ciclo menstrual bem de perto através do método sintotermal (e outros sinais de fertilidade), o que me faz estar sempre ciente de quando o inferno está prestes a começar. A ansiedade que acompanha esse período é só outro ponto negativo, que a essa altura sinceramente já não faz diferença nenhuma se olharmos pra bagunça como um todo.

Em dias como hoje, que são tão ruins mesmo depois da terapia e de ter seguido todos os protocolos, de ter feito todas as atividades que normalmente aliviam os meus sintomas, e ainda assim sentir como se tudo que conheço estivesse prestes a evaporar, o que me sobra é cansaço. Uma exaustão imensa e uma raiva profunda, misturada com uma inveja que me corrói de gente que pula da cama de manhã sem nenhum tipo de plano pro dia que começou, que pode empurrar com a barriga e ir na direção que o vento soprar. Ser paciente comigo mesma em dias como o de hoje é quase impossível, e é muito fácil começar a pensar que seria melhor mesmo se eu não tivesse que lidar com mais nada.


Notas de rodapé:

1) Número de vezes em que precisei do Google Tradutor enquanto escrevia esse texto: quatro. Estamos progredindo, amigos.

miscelânea

Me obrigando a escrever, antes que eu esqueça

maio 16, 2020

Aprender outros idiomas é algo que primeiramente se apresentou na minha vida como uma necessidade. Parte da família do meu pai é castelhana, e apesar de arranharem um português estranhíssimo, eram orgulhosos e nacionalistas demais e preferiram deixar claro que se quiséssemos nos comunicar frequentemente, eu teria que aprender o castelhano. Pro desgosto de todos eles, minha professora de Espanhol era Uruguaia, e eu jamais usei um vosotros sequer durante nossas conversas, and I think it's beautiful.

De um jeito torto, meu interesse por línguas estrangeiras saiu daí, da individualidade e orgulho dos parentes que moravam do outro lado do Rio Uruguai, e eu lembro ter cinco ou seis anos quando comecei a aprender minhas primeiras palavras do Inglês. Eu tinha pouquíssima exposição à língua, ninguém na minha família aparentava interesse ou tinha conhecimento suficiente pra me ajudar, e foi aí que lá pelos doze anos de idade eu descobri as maravilhas do autodidatismo.

Aos quinze, eu já era fluente em espanhol (obrigada, RBD) e consumia uma quantidade enorme de conteúdo em inglês quase que diariamente, porque estudar línguas estrangeiras era algo que de fato me trazia uma satisfação enorme. Mas apesar do meu vocabulário na língua inglesa sempre ter sido muito vasto, eu tinha pouquíssima noção de conversação e pronúncia, e foi pra melhorar esse aspecto que resolvi me jogar numa loucura de morar nos Estados Unidos por uns tempos depois da faculdade. 

O que era pra ser temporário já são hoje quatro anos, e ao que tudo indica muitos mais virão. A grande questão é que agora o jogo virou, e eu passo boa parte dos meus dias lendo em inglês, escrevendo em inglês, estudando, me expressando e consumindo cultura em inglês, e o português cada vez mais deixado de lado, coitado. O primeiro sinal de que eu estava negligenciando minha língua materna veio em forma de uma conversa com outra amiga brasileira, em que eu não conseguia lembrar a palavra cabeceira em português, e que hoje em dia é piada jogada na roda toda vez que uma das duas não consegue lembrar como dizer algo na língua em que ambas nasceram e foram criadas.

Foi engraçado, rimos muito e etc, mas dali em diante comecei a prestar cada vez mais atenção em com que frequência eu falhava em traduzir algo do inglês pro português quando conversava com minha família e amigos. Também comecei a perceber que tinha dificuldade em traduzir emoções e me comunicar com clareza e objetividade na minha língua nativa, e que me sentia muito mais apta e desenvolta quando optava pelo inglês na hora de me expressar. Esquecia termos e expressões com muita facilidade, tinha dificuldade até mesmo em fazer traduções literais, dado o desuso do português no meu dia-a-dia.

Foi meio desconcertante perceber o quanto eu tinha negligenciado algo que sempre foi e será parte essencial de quem sou, da minha construção como pessoa no mundo, de um pedaço imenso da minha cultura e história, que pretendo passar adiante e ensinar pros meus filhos futuramente. Como é que posso ensinar algo que eu mesma ando esquecendo?

Muita gente pode achar que é bobagem, mas essa coisa toda de ter perdido a eloquência no idioma que sempre fui capaz de dominar foi algo que não somente me pegou de surpresa, mas que também me fez sentir vergonha. Foram várias as situações em que tentei produzir, escrever, resenhar e formular opiniões usando o português e desisti porque acabei frustrada com minha inabilidade de ser concisa e objetiva. Me senti pequena, estúpida, e tudo que colocava no papel, que não fosse escrito em inglês, soava como uma sopa de palavras que mal faziam sentido juntas.

E quatro anos são suficientes pra essa situação tomar forma, vocês me perguntam? A resposta é que no meu caso sim, mas não significa que aconteça com todo mundo, que todo brasileiro que vive fora do Brasil seja desleixado como eu e se desligue quase que completamente do idioma como eu acabei fazendo. A princípio o foco no inglês fazia sentido, afinal era pra isso que eu tinha cruzado o continente americano inteiro. Mas quando a situação se tornou permanente e os Estados Unidos minha nova casa, eu devia ter percebido que como 1 + 1 são 2, falar com os amigos e a família ocasionalmente e ler legendas no Instagram em português dez minutos por dia não fariam a mínima diferença.

Eis aqui o resultado desse dramalhão todo: um blog. Eu poderia muito bem tuitar o dia inteiro em português e esperar um milagre, ou torrar a paciência da minha mãe com ligações diárias, mas resolvi me obrigar a vomitar um texto inteiro de vez em quando, do começo ao fim, que faça sentido e me traga um pouquinho de paz de espírito. Poderia também ter começado um diário em português e me comprometido a escrever diariamente, mas a verdade é que eu não tenho força de vontade ou disciplina suficientes, e preciso que o mundo e a vergonha de falhar publicamente sejam a motivação que me faltava.

Notas aleatórias:
1) Numa tentativa de consumir literatura em português, descobri que a Cultura entrega internacionalmente. Se existe uma situação em que comemoro o dólar a seis pila, essa é uma delas.
2) Número de vezes em que precisei do Google Tradutor enquanto escrevia esse texto: aproximadamente seis. Triste, eu sei.